segunda-feira, 5 de abril de 2010

Somos incontornáveis e irreversíveis

Pacaembu, em torno das quatro horas da tarde do dia 18 de março de 2010. ponto final de uma caminhada que durou dez dias, de campinas a são paulo. caminhada na qual marcharam cerca de 3 mil mulheres.

mulheres do brasil inteiro, de rondônia ao rio grande do sul. mulheres metropolitanas, mulheres rurais, mulheres índias, mulheres atrizes, mulheres donas de casa. mulheres moças, mulheres idosas, saudáveis, doentes. mulheres que apanham de seus maridos, mulheres que nunca se casaram nem nunca se casarão. heterossexuais, lésbicas. negras, brancas, loiras, ruivas, morenas, mulatas, índias, mestiças. muheres gritando palavras de ordem: "seguiremos em marcha até que todas sejamos livres!" "eu não sou miss, nem avião, minha beleza não tem padrão!", "não sou modelo de passarela, a minha vida não é novela!", "se cuida, se cuida, se cuida seu machista! américa latina vai ser toda feminista!" e muitas outras mais... até hoje na minha cabeça ecoam as frases que ouvi no único dia que passei lá, ao lado dessas mulheres que enfrentaram 10 dias de caminhada, sob o sol e sob a chuva, andando cerca de 10 quilômetros por dia... eu também gritei e marchei, suei e me cansei, fotografei, filmei e registrei na minha cabeça esse momento histórico. à minha frente e às minhas costas uma fila imensa de mulheres vestidas de roxo. a energia incrível, pois essas mulheres não paravam. prosseguiam firmes, incitavam as outras, dividiam seu protetor solar, provocavam os homens com os quais cruzavam pelo caminho: "joão, joão, cozinha seu feijão" josé, josé, cozinha se quiser! raimundo, raimundo, limpa esse chão imundo! chiquinho, chiquinho, cuida do filhinho! erasmo, erasmo, eu quero meu orgasmo!", respondendo a seus gestos obscenos e aos gritos de volta pra cozinha: "mulher não é feita pro forno e pro fogão, a minha chama é da revolução!" foi lindo, foi emocionante. na chegada a são paulo - andamos quatro quilômetros até a estação de osasco, pegamos o trem metropolitano e descemos em barra funda, para caminhar mais dois quilômetros até o pacaembu - centenas de outras mulheres nos recebiam como heroínas, quer dizer, recebiam essas mulheres que caminharam dez dias (eu estava ali de gaiata, bem na comissão de frente, pois tinha embarcado no vagão errado). me arrepiei em vários momentos. nessa chegada ao metrô de barra funda. na caminha por são paulo, junto à batucada de mulheres que abria a marcha... ao saber de uma índia que casara com um bêbado, tivera quatro filhos, tinha tido a coragem de abandoná-lo (embora, como declarou, ainda amasse o safado) e tinha se tornado cacique, depois que sua comunidade havia destituído o antigo cacique para colocá-la no lugar. ao saber da história de uma mulher do amazonas que voltaria para casa naquela quinta, mas só chegaria lá na quarta seguinte, depois de viajar 22 horas de barco... ah, mulheres... incontornáveis e irreversíveis...

enquanto isso, o brasil ultrapassa a alemanha e a frança e chega ao 2º lugar de maior consumidor de cosméticos do mundo (só perdendo pro japão), posto já conquistado em relação às plásticas (só perde para os EUA). enquanto isso, muitas mulheres continuam a se ver como mercadorias, valendo por sua aparência e juventude.

enquanto isso perdurar, seguiremos em marcha. até que todas sejamos livres...

Nina Caetano faz parte do Grupo Obscenas e da MMM Minas Gerais

Delegação de Minas Gerais contribui com a limpeza da cozinha na Ação

Diário de uma marchante

Dia 8 de março, Largo do Rosário, Campinas, milhares de mulheres de todo o Brasil inauguram a 3ª ação internacional da Marcha Mundial das Mulheres (MMM). Cerca de 2 mil militantes vindas da cidade, do campo e da floresta, mulheres jovens, adultas e idosas, trabalhadoras rurais e urbanas, lésbicas e estudantes foram para as ruas com o desejo que as une: o de transformar o mundo para transformar a vida das mulheres.

“Seguiremos em marcha até que todas sejamos livres” foi o lema da 3ª ação que se sustentou também em quatro eixos: autonomia econômica das mulheres; bens comuns e serviços públicos (contra a privatização da natureza e dos serviços públicos); violência contras as mulheres e paz e desmilitarização, temas discutidos durante os dez dias da caminhada. Nós, as caminhantes, nos dividimos em comissões de trabalho - segurança, água, comunicação, saúde, formação e cultura, cozinha, creche, água e limpeza.- a fim de garantir o bom andamento da marcha.

A comissão que me inseri foi a da segurança, tarefa um tanto complicada, pois exige firmeza, paciência, resistência e muito autocontrole. Tive a sensação muitas vezes de não ser tão respeitada enquanto segurança, principalmente por conta da minha idade, afinal por lá se encontravam mulheres muito mais vividas do que eu. Foi um trabalho árduo, mas muito compensador.

Todos os dias, nos levantávamos às 4 da matina, as luzes se acendiam e a movimentação de malas e pessoas começava. Lá pelas 6 da manhã, colocamos o pé na estrada, andando em fileiras e entoando cantorias feministas. O trajeto de 116 km no total, percorrido em média 10 km ao dia, passamos pelas cidades de Campinas, Valinhos, Vinhedo, Louveira, Jundiaí, Várzea Paulista, Cajamar, Osasco e São Paulo, além dos distritos de Jordanésia e Perus. . Foi bem cansativo de inicio e devido ao forte calor alguns problemas com relação a saúde das marchantes movimentaram a coordenação, mas a rotina foi tornando tudo mais fácil. Chegávamos nos alojamentos por volta das 11 da manhã e sempre éramos acolhidas com muito carinho e atenção. Alguns problemas com banho e higiene no geral, mas nada tão assustador pensando que era uma estrutura para duas mil mulheres de todo o Brasil convivendo por dez dias.

Na Marcha estavam presentes muitas organizações como o MST, MAB, MMC( Movimento de Mulheres Camponesas), LBL(Liga Brasileira de Lésbicas), UNE( União Nacional dos Estudantes), CUT (Central Única dos Trabalhadores) de São Paulo, entre outras. Foram realizados nesses dez dias espaços de formação, debates sobre racismo, sexualidade, racismo, violência contra a mulher, paz e desmilitarização e integração dos povos e o papel do Estado. A presença da médica cubana Aleida Guevara, filha do revolucionário cubano Che Guevara, foi o painel mais esperado de toda a Marcha e o que emocionou mais as militantes.

O ultimo dia de Marcha foi marcado por muita alegria e a pontinha de saudade que já batia desses dez dias. O ato público em São Paulo, começou por volta das 17h na Praça Charles Miller (ao lado do estádio do Pacaembu), onde a batucada feminista, a Fuzarca, animou as marchantes fechando a marcha com um grande sentimento de dever cumprido.

Mas a ação 2010 da Marcha Mundial das Mulheres não pára por aqui, a luta continua na sua segunda jornada na República Democrática do Congo de 7 a 17 de outubro, afinal “Seguiremos em marcha até que todas sejamos livres”!

Thais Faria - MMM Minas Gerais - núcleo Viçosa

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Mulheres de todo o Brasil na Ação 2010